A Alimentação Escolar na Virada Sustentável .Entre os dias 05, 06 e 07 a capital Porto Alegre, Rio Grande do Sul (RS), realizou a 4º edição da Virada Sustentável na cidade.
O festival, que começou em São Paulo e acontece em outras capitais do Brasil, tem sua referência nos 17 objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU para 2030. Diversas oficinas, aulas, feiras de inovação, palestras, cursos, e atividades multiartísticas foram desenvolvidas por diferentes instituições, organizações e grupos nos 3 dias da Virada.
Além dos ecopontos distribuídos na cidade, algumas atividades foram realizadas de forma descentralizada, como foi o 2º Seminário de Alimentação Escolar e Ecogastronomia, realizado na cidade de Nova Santa Rita. O seminário teve como tema central a Alimentação Escolar e na sua segunda participação reuniu atores do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), instituições e sociedade civil, que trabalham e promovem uma boa alimentação no ambiente escolar e que também se beneficiam com ela.
A proposta da sustentabilidade dentro do festival e a presença do tema reflete como a Alimentação Escolar tem sido pensada de forma diferente e inovadora. Dentro do PNAE, que no ano de 2019 completa 64 anos, está a Lei nº 11.947, que é executada desde o ano de 2009 e tem o intuito de unir a produção da agricultura familiar com a sustentabilidade no elo do campo à mesa do sistema agroalimentar, estimulando a compra da agricultura familiar e valorizando a aquisição de produtos orgânicos.
O Seminário aconteceu na sede da COOPAN – Cooperativa de Produção Agropecuária, em Nova Santa Rita/RS, próxima a cidade de Porto Alegre e contou com aproximadamente 200 pessoas envolvidas. Os participantes e proponentes compuseram uma programação diversa e multidisciplinar, com abordagens artísticas, científicas, técnicas e institucionais. O seminário foi uma realização do Grupo de Estudos em Agricultura Familiar e Desenvolvimento Rural do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Rural (GEPAD-PGDR-UFRGS) e do Centro Colaborador em Alimentação e Nutrição do Escolar (CECANE-UFRGS), ambos instituídos na Universidade Federal Do Rio Grande Do Sul (UFRGS), em conjunto com a Prefeitura de Nova Santa Rita.
Município exemplo em produção orgânica
O município de Nova Santa Rita possui um histórico promissor em relação a agricultura local e a interação da comunidade. Praticamente todas as escolas da cidade possuem horta pedagógica em seu espaço. Os alimentos produzidos não substituem a alimentação oferecida nas escolas, mas complementam as refeições e, quando há excedentes, as crianças conseguem levar algumas hortaliças para casa. Dentro desse panorama da agricultura sustentável, Nova Santa Rita possui quatro assentamentos da Reforma Agrária, tendo como atividades principais a produção orgânica de arroz e de hortifrúti, além de leite, peixes e agroindústria de suínos, vegetais processados e panificados.
O encontro teve início com uma atividade realizada pela Escola Municipal de Ensino Fundamental Rui Barbosa, localizada dentro do território da cooperativa (COOPAN). A apresentação, ou mística, como foi designada, foi um movimento artístico teatral em que a cena interpretada pelos alunos e professores remontava um drama em torno do uso de agrotóxicos e seu impacto na alimentação e saúde da população, principalmente das crianças. A apresentação seguiu com uma intervenção de agricultores assentados, estudantes e professores exaltando a agricultura sustentável e a valorização e amor à terra, acompanhados por uma trilha sonora e pelo canto sensível de todo o grupo.
Um evento diverso, que uniu comunidade acadêmica, civil e institucional
A presença da Coordenadora-Geral do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), Karine Santos, teve fundamental importância na apresentação do programa e das prospectivas em relação aos cardápios sustentáveis. A coordenadora traçou a linha de atuação da política pública e como novas resoluções e leis, como a Lei nº 11.947/2009, que institui obrigatória a aquisição de pelo menos 30% dos produtos oriundos da agricultura familiar na compra da alimentação escolar. Essas iniciativas extrapolam a política pública, incentivando a agricultura familiar sustentável e a sua inserção numa alimentação regional e de qualidade. Karine Santos também frisou a relevância das nutricionistas como elo entre gestores e agricultores, sendo elas a principal base para consolidação de cardápios sustentáveis, mantendo a quantidade adequada, qualidade dos alimentos, harmonia entre eles e evitando desperdícios. Além disso, lembrou da importância internacional do programa que tem relação com aproximadamente 47 países e segue como exemplo de maior programa no mundo que atende toda a rede pública escolar.
A Chef Juliana Severo, mestre e doutoranda no Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Rural da UFRGS, trouxe o tema central da sua pesquisa de mestrado, que avaliou casos exitosos de uso de frutas nativas no estado do RS, Tapes, Pareci Novo e Morrinhos do Sul, dando destaque ao município de Tapes que inseriu polpa de butiá na alimentação escolar, motivado pela rede que integra dentro da Rota dos Butiazais. Juliana apresentou dados e observações sobre as dificuldades que nutricionistas dos municípios do RS enfrentam em diferentes instâncias, mas também um quadro de avanços que muitas já conseguiram alcançar. A conservação pelo uso é algo marcante dentro da discussão trazida pela mestre, que relaciona o fortalecimento e promoção dessa atividade por meio de programas nacionais, como a política pública do PNAE e a política de segurança alimentar e nutricional (SAN) e programas internacionais como o projeto Biodiversidade para Alimentação e Nutrição – BFN, que tem como objetivo principal a conservação e a promoção do uso sustentável da biodiversidade que contribuam para a segurança alimentar e nutricional através da valorização da importância das espécies relacionadas à biodiversidade agrícola.
Tanto Juliana como Karine destacaram a importância da iniciativa Plantas para o Futuro, que já conta com três livros da série Espécies nativas de valor econômico atual ou potencial. O trabalho está dentro do programa nacional PROBIO e “visa a identificação de espécies nativas da flora brasileira que possam ser utilizadas como opções para a agricultura familiar na diversificação dos seus cultivos, ampliação comercial sustentável e desenvolvimento de novos produtos e na melhoria e redução da vulnerabilidade do sistema alimentar brasileiro”, Ministério do Meio Ambiente.
Representando o Centro Colaborador em Alimentação e Nutrição do Escolar, CECANE- UFRGS, a doutora em Desenvolvimento Rural pelo PGDR-UFRGS e agente do PNAE, Amália Leonel trouxe o panorama da Alimentação Escolar e a atuação do centro no Estado e municípios do RS, que presta apoio técnico e operacional ao PNAE, além de formar atores que atuem no programa e apoiar compras públicas. Essas ações desenvolvidas pelo Centro, que se consolida por uma parceria entre o FNDE e universidades federais, fortalecem e dão suporte para a realização de uma alimentação saudável e adequada nas escolas. Dentro do panorama do Rio Grande do Sul, a aquisição de produtos oriundos da agricultura familiar se destaca: mais da metade dos municípios compram acima dos 30% estipulados por lei, embora estatísticas do ano de 2017 apresentem um decréscimo nesse avanço. A expectativa é que nos próximos anos os atores estejam mais instrumentalizados e fortalecidos, com o apoio necessário para estímulo à atuação intersetorial, planejada, participativa e inclusiva, bem como aumento da adesão e % da compra da agricultura familiar.
Também no âmbito da Ecogastronomia, a Chef Teresa Corção, presidente do Instituto Maniva, chef da mandioca como é popularmente conhecida, relatou sua experiência com alimentos regionais do Brasil e a valorização do uso desses produtos. Desde 2007, Teresa realiza trabalhos em escolas levando o conhecimento sobre a mandioca, seu uso e aspecto cultural, realizando oficinas com alunos e propondo uma nova maneira de entender a culinária brasileira.
Na parte da tarde, o evento promoveu uma visita à Agroindústria e propriedade familiar de assentados da Reforma Agrária e à área da cooperativa. A cooperativa se orgulha por ser exemplo de produção recorde de arroz orgânico na América Latina, junto de outros municípios com assentados de reforma agrária no RS. O arroz produzido nos assentamentos é processado e comercializado em todo país, mas principalmente na região sul e sudeste, destacando que a maior parte da venda é destinada ao PNAE.
A virada sustentável busca fortalecer os 17 objetivos propostos pela ONU. Através dessa meta o seminário consegue dialogar diretamente com o objetivo 2, que envolve “Fome zero e Agricultura Sustentável”, além de outros paralelamente, permitindo o debate e exposição de experiências exitosas e também partilha de dificuldades, sendo parte da caminhada rumo a uma alimentação escolar de qualidade e consolidada.